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"(De)Reforma" Administrativa, entre a privatização e o aparelhamento político do Estado


As discussões sobre a reforma administrativa, novamente em pauta no Congresso Nacional por meio de um Grupo de Trabalho (GT) na Câmara dos Deputados, representam um risco real e iminente de retrocesso para o serviço público e para o Estado brasileiro. Embora a infame PEC 32/2020 de Jair Bolsonaro tenha sido engavetada, sua essência ressuscita agora com uma nova estratégia: uma abordagem fatiada e uma retórica de modernização que mascara velhos interesses neoliberais de enfraquecimento estatal e precarização do trabalho.


A Retórica da "Eficiência" e o Desmonte Disfarçado

A nova narrativa abandona o tom abertamente fiscalista do passado e adota termos como "eficiência", "meritocracia" e "governança". Contudo, como apontam os analistas, essa é uma fachada para a mesma agenda: flexibilizar as garantias dos servidores, minar a estabilidade e ampliar a precarização. Trata-se de uma reforma conduzida em capítulos, com aparência moderada, mas com um potencial transformador profundo e perigoso.


O fato de o Poder Executivo, através do Ministério da Gestão e Inovação (MGI), não ter apresentado uma proposta própria confere aos parlamentares, muitos alinhados a uma visão conservadora e de Estado mínimo, maior liberdade para pautar um desmonte. Mais do que isso, abre espaço para aprofundar o aparelhamento do Estado, com contratações precárias e eleitoreiras, além de impor uma agenda de privatizações, precarizando o acesso a serviços públicos para milhões de cidadãos que não sejam "clientes lucrativos" para grandes conglomerados.


Os Pilares Ameaçados da Reforma

A crítica se concentra em eixos que atacam diretamente a estrutura de um serviço público profissional e impessoal:


  • Relativização da Estabilidade: Longe de ser um privilégio, a estabilidade é um pilar do Estado republicano. Ela garante ao servidor a autonomia necessária para resistir a pressões político-partidárias e tomar decisões técnicas em prol do interesse público, assegurando a continuidade das políticas de Estado. A proposta atual não busca extinguir a estabilidade de forma explícita, mas sim esvaziá-la por vias indiretas. A ampliação de contratos temporários e, principalmente, a implementação de avaliações de desempenho com critérios subjetivos e sem controle social podem transformar-se em poderosas ferramentas de perseguição política, criando um ambiente de medo que inibe a independência técnica.


  • Expansão das Contratações Temporárias: Uma das estratégias mais danosas é a proposta de ampliar os contratos temporários para até dez anos. Na prática, isso cria um mecanismo para substituir servidores de carreira, admitidos por concurso público, por trabalhadores com menos direitos, menor proteção e maior vulnerabilidade. Tal medida não apenas precariza o trabalho, mas compromete a memória institucional e a qualidade dos serviços prestados à população a longo prazo, enfraquecendo o próprio conceito de um Estado como executor de políticas permanentes. Na prática, transforma o serviço público em um grande cabide de empregos, sem projeto nacional, que muda conforme o humor eleitoral. Visa, com a relativização da estabilidade, permitir que decisões arbitrárias e mesmo ilegais sejam impostas à administração pública, quase sem resistência.


  • Seletividade no "Combate aos Privilégios": A reforma demonstra uma gritante hipocrisia ao mirar na base do funcionalismo enquanto ignora os verdadeiros privilégios. Temas como os supersalários de altas carreiras do Judiciário, Legislativo e Ministério Público, que driblam o teto constitucional com artifícios legais, permanecem intocados. Não tocam nos privilégios de deputados e senadores, que contam com todos os luxos possíveis. Da mesma forma, os privilégios dos militares, especialmente de altas patentes, seguem blindados. Essa seletividade revela que o discurso de "combate aos privilégios" é uma ferramenta retórica para justificar o ataque aos servidores comuns, para desmantelar as estruturas de atendimento à população e não um esforço genuíno por equidade.


As Pautas Ignoradas: "Modernização" Seletiva

Em um claro paradoxo, enquanto se fala em modernizar a gestão, temas essenciais para qualquer estrutura organizacional do século XXI são convenientemente esquecidos. O principal deles é a negociação coletiva. Embora seja um direito previsto na Constituição e em convenções internacionais ratificadas pelo Brasil (como a Convenção 151 da OIT), sua regulamentação segue sendo postergada. Uma modernização real reconheceria os servidores como interlocutores legítimos na construção de políticas, superando a imposição unilateral de regras.


Existe um Caminho Alternativo

O debate promovido pelo GT ignora que já existem medidas de aprimoramento em curso que não exigem uma drástica e arriscada reforma constitucional. A Ministra Esther Dweck (MGI) segue conivente com essas medidas de desmonte, apesar de ter apontado no início do governo Lula, um conjunto de ações, como o concurso público unificado, a reestruturação de carreiras e a atualização de programas de gestão e desempenho, que estavam sendo debatidas com os trabalhadores


A reforma que o Brasil verdadeiramente precisa, conforme defendido por especialistas, é aquela focada em servir à maioria da população, que depende de serviços públicos de qualidade, ou seja, à classe trabalhadora, não aos grandes grupos econômicos que lucram com a exploração predatória destes serviços. O objetivo deveria ser o fortalecimento do das políticas que efetivamente melhoram a vida do povo, e não seu esmagamento para atender a interesses de mercado.


Diante deste cenário, a articulação e a unidade entre as diversas entidades da classe trabalhadora, em especial dos sindicatos de servidores e outras categorias, além de organizações estudantis e populares, tornam-se urgentes. A estratégia de fatiar a reforma exige uma vigilância constante e uma ação coordenada para disputar o modelo de Estado que se deseja construir. A defesa do serviço público não é uma pauta corporativa, mas uma bandeira em defesa da democracia, da justiça social e de um projeto de nação soberana.


Não à "reforma" administrativa!


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